Em
uma tarde qualquer presenciei uma cena muito emocionante. Ao voltar de um
compromisso, indo em direção ao carro, observei que algo se movia atrás de um
arbusto. A princípio fiquei assuntado, mas a curiosidade foi muito maior.
Aproximei-me com atenção e cuidado, e observei que realmente existia algum ser
naquele local. Balancei o arbusto e de lá saiu pulando um pássaro. Isso mesmo,
um passarinho. Olhei atentamente e observei que estava com uma das asas
quebrada. Ironia do destino, pois pássaros sem asas são alvos fáceis para os
predadores. Nesse momento, coloquei-me no lugar daquele passarinho, pude sentir
sua aflição, desespero e medo. Logo pensei, vou ajuda-lo. Tentei pegar a ave,
mas todas as tentativas foram em vão, o pássaro com muita rapidez sempre
conseguia um esconderijo secreto inacessível às minhas mãos. E pensei comigo
mesmo, o que fazer? Deixar fluir o ciclo natural ou interferir no processo?
Sentei
no chão, fitei o olhar no pássaro e inicie o processo de reflexão para tomar a
decisão certa.
O
passarinho por algum descuido quebrou sua asa. Deveríamos aceitar esse fato com
mais naturalidade, pois obedece o ciclo natural. Por outro lado, um ser tão
frágil e inocente que nada fez. Por que não ajuda-lo? Como disse Samuel Rosa e
Chico Amaral na música Três Lados “meu desejo e meu bom senso, raivosos
feito cães.”
Exatamente assim me sentia. O que fazer? Continuei observando o passarinho e
filosofando.
Pensei
em São Francisco, protetor dos animais. Mas o próprio Santo nos alerta que
devemos ter resignação para aceitar o que não pode ser mudado. Pensei em Marcel
Proust, quando disse: Para
tornar a realidade suportável, todos temos de cultivar em nós certas pequenas
loucuras.
Lembrei também de Lya Luft, romancista, poetisa e tradutora brasileira, quando
diz:
"A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos
sofrimento, entender com mais tranquilidade…"
A
realidade dói. Muitas vezes é insuportável conviver com nossa realidade. Por
isso, preferimos viver um eterno romance, sendo românticos com a vida, mas
precisamos ser realistas. Encarar a realidade de frente. Aceitar e resignar-se.
Partindo desse princípio fica mais fácil compreender nosso desconforto, pois
não aceitamos a nossa realidade. Tristeza e alegria, saúde e doença, riqueza e
pobreza, vida e morte, tudo isso é natural. Podemos comparar a vida a uma
montanha russa. Iniciamos uma longa e árdua subida, atingimos o topo,
aproveitamos a bela vista lá do alto. No entanto, a descida é obrigatória.
Assim é a vida, subidas (alegria, saúde, riqueza e vida) e descidas (tristeza,
doença, pobreza e morte). Precisamos encarar tudo isso com mais naturalidade.
Não adianta revoltar-se, pois tudo isso faz parte da vida. É natural!
Depois
de todas essas reflexões ainda não tinha decidido sobre o destino do
passarinho. Mas a própria natureza tomou sua decisão, que aceitei com bastante
tranquilidade.
Bem
ao lado da ave, a cerca de um metro de distância, lá estava, faminta, uma gata
gestante. Que aguardava o momento oportuno para saciar sua extrema fome e
continuar gerando seus filhotes. Segundos depois se lança sobre o passarinho e
o mesmo é imobilizado e abatido. Sábia natureza, ao mesmo tempo acabou com o
sofrimento dos dois animais.
Por
fim, pensei. Magnífica aula a professora natureza ministrou. Segue o resumo:
Não podemos interferir na ordem natural das coisas. Não cabe a nós especularmos sobre a sabedoria da natureza. Portanto, precisamos aceitar a vida como ela é.