domingo, 3 de maio de 2015

Ordem natural das coisas

Em uma tarde qualquer presenciei uma cena muito emocionante. Ao voltar de um compromisso, indo em direção ao carro, observei que algo se movia atrás de um arbusto. A princípio fiquei assuntado, mas a curiosidade foi muito maior. Aproximei-me com atenção e cuidado, e observei que realmente existia algum ser naquele local. Balancei o arbusto e de lá saiu pulando um pássaro. Isso mesmo, um passarinho. Olhei atentamente e observei que estava com uma das asas quebrada. Ironia do destino, pois pássaros sem asas são alvos fáceis para os predadores. Nesse momento, coloquei-me no lugar daquele passarinho, pude sentir sua aflição, desespero e medo. Logo pensei, vou ajuda-lo. Tentei pegar a ave, mas todas as tentativas foram em vão, o pássaro com muita rapidez sempre conseguia um esconderijo secreto inacessível às minhas mãos. E pensei comigo mesmo, o que fazer? Deixar fluir o ciclo natural ou interferir no processo?
Sentei no chão, fitei o olhar no pássaro e inicie o processo de reflexão para tomar a decisão certa.
O passarinho por algum descuido quebrou sua asa. Deveríamos aceitar esse fato com mais naturalidade, pois obedece o ciclo natural. Por outro lado, um ser tão frágil e inocente que nada fez. Por que não ajuda-lo? Como disse Samuel Rosa e Chico Amaral na música Três Lados “meu desejo e meu bom senso, raivosos feito cães.” Exatamente assim me sentia. O que fazer? Continuei observando o passarinho e filosofando.
Pensei em São Francisco, protetor dos animais. Mas o próprio Santo nos alerta que devemos ter resignação para aceitar o que não pode ser mudado. Pensei em Marcel Proust, quando disse: Para tornar a realidade suportável, todos temos de cultivar em nós certas pequenas loucuras. Lembrei também de Lya Luft, romancista, poetisa e tradutora brasileira, quando diz: "A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranquilidade…"
A realidade dói. Muitas vezes é insuportável conviver com nossa realidade. Por isso, preferimos viver um eterno romance, sendo românticos com a vida, mas precisamos ser realistas. Encarar a realidade de frente. Aceitar e resignar-se. Partindo desse princípio fica mais fácil compreender nosso desconforto, pois não aceitamos a nossa realidade. Tristeza e alegria, saúde e doença, riqueza e pobreza, vida e morte, tudo isso é natural. Podemos comparar a vida a uma montanha russa. Iniciamos uma longa e árdua subida, atingimos o topo, aproveitamos a bela vista lá do alto. No entanto, a descida é obrigatória. Assim é a vida, subidas (alegria, saúde, riqueza e vida) e descidas (tristeza, doença, pobreza e morte). Precisamos encarar tudo isso com mais naturalidade. Não adianta revoltar-se, pois tudo isso faz parte da vida. É natural!
Depois de todas essas reflexões ainda não tinha decidido sobre o destino do passarinho. Mas a própria natureza tomou sua decisão, que aceitei com bastante tranquilidade.
Bem ao lado da ave, a cerca de um metro de distância, lá estava, faminta, uma gata gestante. Que aguardava o momento oportuno para saciar sua extrema fome e continuar gerando seus filhotes. Segundos depois se lança sobre o passarinho e o mesmo é imobilizado e abatido. Sábia natureza, ao mesmo tempo acabou com o sofrimento dos dois animais.
Por fim, pensei. Magnífica aula a professora natureza ministrou. Segue o resumo: Não podemos interferir na ordem natural das coisas. Não cabe a nós especularmos sobre a sabedoria da natureza. Portanto, precisamos aceitar a vida como ela é.