terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Reflexões de um carnaval

Em meio à multidão fico pensado o que estou fazendo ali. Me sinto totalmente fora de contexto. Fora de sintonia com a maior festa de rua do planeta. Até tento me ligar, mas não consigo. Me sinto um verdadeiro peixe fora d'água, bom seria que esse peixe criasse pernas e saísse correndo para longe, mas para muito longe mesmo. Só que até para sair dessa festa é difícil, pois moro dentro do circuito do carnaval, e essa festa vem até mim. Preciso de muita meditação para suportar essa tamanha loucura. Até tento colocar uma máscara e arriscar uma associação, mas nada, literalmente nada. Fico pensando nos meus pés, no tempo gasto para andar 100 metros, na destruição dos meus cílios do ouvido que captam o som, pois sei que a cada trio elétrico menor será minha capacidade auditiva. Enfim, penso também na minha sobrevivência. 

Penso no cordeiro, pois até tenta tirar o pecado do mundo. O pecado da luxúria. Reverenciei uma senhora de mais ou menos setenta anos puxando aquela corda grossa para ganhar míseros 51 reais. Realmente o pecado da soberba que tenta envolver algumas pessoas nessa festa cai por terra. Pois aquele que conseguir captar a agonia daquela senhora vai perceber que certamente ela queria estar em sua humilde casa. Pensei em presenteá-la com essa quantidade em dinheiro, mas quando tomei a iniciativa ela já tinha desaparecido do meu campo visual.     

Penso em uma criança de quinze anos que aparentava já ter comemorado uns vinte aniversários sendo cortejada por um folião. No momento que ele tentou puxar a garota para seus musculosos braços seus pais apareceram, e uma roda da discórdia foi formada. Todos queria assistir ao espetáculo. Não era mais importante o artista que passava lindamente, mas os socos e pontapés que eram lançados no tempo e no espaço. Tentei entender quem estava com a razão.

Penso em duas garotas que encerravam ali a sua amizade. Uma gritava para outra aquilo que mais parecia o refrão de um desses péssimos hits do carnaval. "- Eu não peguei ele. Já te disse, eu não peguei ele." A outra chorava muito. Tentei uma conversa com elas. E as duas juntas cantaram em coro, num dueto. "- Não se meta, pois se não vou meter a porra em você." Calei minha boca e sai pensando: Que porra é essa?

Penso em uma mulher lindamente arrumada com um salto de uns quinze centímetros tentando chegar ao seu camarote. Coitada. Certamente quando chegasse no seu coliseu estaria com a cara do carnaval. E o pior, lá estaria presa, presa para sempre. Um local onde não se pode sair para fazer nada, e se sair não seria mais bem-vinda, seria repudiada até a alma. A única forma de sair dessa prisão é morta! Aprisionada em uma festa que propaga a liberdade, a diversidade. Lamentável. 

Penso nas pessoas que queriam beber outra marca de cerveja, refrigerante ou água. Mas que eram obrigadas a consumir uma determinada marca. Certamente os donos da lei não pensam na população, mas apenas em seus interesses pessoais medonhos e redondos.

Penso em um pai com seu filho sentado sobre seus ombros durante a folia, mas não penso na dor dele por estar suportando uns 40 kg, não! Penso na educação, no estímulo a violência ali representada, pois o pai entregou ao seu pobre filho um martelo inflável e autorizou o jovem a bater agressivamente na cabeça de todos que por ali passavam. Claro que também fui batizado pela criança, mas não perdi a oportunidade de retirar o brinquedo da mão do filho e acertar a cabeça do pai. O mesmo sem entender nada pediu desculpas e terminou com a brincadeira do menino.

Penso em alguém que apareceu na minha frente e tentou me roubar um beijo. Sem nem mesmo querer saber se eu estava com outro alguém, se estava afim, enfim. Acho massa os beijos do carnaval, mas como já dizia minha avó “. Quando um não quer, dois não brigam. ”

Passei quatro horas no carnaval e pensei bastante. Depois de compartilhar meus pensamentos com um grupo de amigos. Falaram: "- Mas Bruno, carnaval é assim mesmo."

Pensei: Será?

Vou ter que pensar mais para responder.

Bruno Pitanga

Bruno Pitanga, arquivo pessoal.