sexta-feira, 3 de abril de 2015

Buraco na alma

A cidade de Berlim é sem dúvida uma escola. Um local de reflexões profundas sobre reforma, reconstrução e, é claro, crescimento moral.
Suas ruas ainda choram as cicatrizes da segunda guerra mundial. É possível observar ao caminhar pela cidade igrejas, museus e até mesmo prédios residenciais com marcas de balas. A cidade de Berlim ainda apresenta o cheiro da pólvora. Enfim, marcas de um passado próximo que ainda grita.
Ao analisar todo esse cenário surge uma reflexão: Qual o sentido em ainda mostrar as marcas de uma guerra? Existem duas possibilidades de respostas: atrair turistas ou expor ressentimentos. Penso que a segunda resposta seja a mais apropriada. Precisamos mostrar que estamos ressentidos, caso contrário nossas carências não terão a atenção desejada.
Alguém ressentido terá a necessidade de falar sobre seus sentimentos e, para isso, deixará suas fragilidades expostas. Quando trabalhamos os ressentimentos não precisamos mais falar sobre o sentimento passado. Podemos lembra-los, mas jamais necessitar expô-los. A superação de um ressentimento nos torna fortes, verdadeiros Hércules. Por isso, caminhar nas ruas de Berlim faz pensar: quantos ressentimentos ainda precisamos expor para que tenhamos em troca a atenção? A verdadeira superação é livre de qualquer ressentimento. 
No entanto, a reconstrução dessa cidade foi fantástica. Praticamente toda a cidade foi reconstruída após a segunda guerra mundial. O mais impressionante foi a rapidez. Nesse contexto, penso que a rapidez da reconstrução vai contrário a cura do ressentimento. Para trabalhar um ressentimento é necessário tempo. Nada adianta correr para reconstruir e ainda continuar ressentido. Discordo de Caetano Veloso quando diz na música Chuvas de verão: “Ressentimentos passam como o vento, são coisas de momento, são chuvas de verão.” É um pensamento bastante romântico, lindo. Mas não é isso que observamos. Utilizamos uma maquiagem para esconder nossos problemas, mas na verdade continuamos profundamente destruídos.
Com isso, observamos pessoas que se dizem reconstruídas ou reformadas pouco tempo após algum conflito. Dizem que estão bem. Na verdade não é isso que acontece. Percebo que desejam expor suas magoas e, no mesmo momento, revelam suas cicatrizes ainda abertas.  Essas pessoas não têm paciência para a verdadeira reconstrução. Preferem engana-se a procurar ajuda.
Por isso, precisamos nos aliar ao tempo com bastante paciência. Desta forma transformaremos esses ressentimentos em degraus para o crescimento moral.  Devemos lembrar que os problemas que enfrentamos são de fundamental importância. Não conseguiríamos o amadurecimento moral sem eles. Paciência, essa é a palavra certa. Paciência é o verdadeiro remédio para qualquer ressentimento. Muitas vezes não estamos maduros o suficiente para resolver determinado problema, mas com paciência poderemos adquirir a maturidade para entender a importância daquele momento vivido.  Assim conseguiremos o avanço moral. Já na música oração ao tempo também de Caetano Veloso, concordo plenamente quando diz: “(...) tempo, tempo, tempo, tempo és um dos deuses mais lindos(...)”.

Marcas de bala nas paredes do Neues Museum, Berlim - Alemanha.
Foto: Gustavo Rodrigues.